Mitigação do risco de danos durante a transição da ventilação mecânica controlada para a assistida
O monitoramento do esforço respiratório do paciente, a titulação da sedação e a seleção do modo correto de ventilação são vitais na transição da ventilação controlada para a assistida.
Para nos orientar quanto à liberação de pacientes usando técnicas de monitoramento com ventilação protetora pulmonar e diafragmática personalizada, contamos com a Dra. Irene Telias, uma das maiores especialistas em fisiologia respiratória do mundo.
Principais aprendizados neste artigo.
- Evitando esforços potencialmente lesivos
- Como lidar com sedação excessiva, assincronia, atrofia diafragmática, esforços respiratórios excessivamente altos ou baixos, excesso de assistência e muito mais
- Técnicas de monitoramento, seus benefícios e suas limitações
- Modos de ventilação que auxiliam durante a transição
Salva vidas, mas pode causar lesões
A ventilação mecânica é uma intervenção frequentemente usada em pacientes adultos com doenças agudas que exigem suporte respiratório ou proteção das vias aéreas. O ventilador facilita a troca gasosa, enquanto outros tratamentos são implantados para melhorar a condição clínica do paciente. Apesar de ser uma medida que salva vidas, a ventilação mecânica pode causar lesões nos pacientes e, portanto, o manejo cuidadoso das configurações do ventilador e dos medicamentos usados durante a ventilação mecânica são fundamentais para evitar lesões.
Avaliação da transição da ventilação controlada para a assistida
Um dos principais problemas da ventilação mecânica é a transição da ventilação controlada para a assistida, que precisa ser feita o mais rápido possível para melhorar os desfechos do paciente. Porém, essa transição precisa ser realizada de modo a evitar a piora dos problemas respiratórios do paciente, obrigando, assim, a equipe de UTI a retomar a ventilação controlada.
Para uma distinção entre respirações sem músculos respiratórios ativos (ventilação controlada) e respirações com músculos ativos (ventilação assistida), precisamos monitorar o esforço respiratório do paciente. A Dra. Irene Telias atuou como membro acadêmico em Toronto de 2015 a 2017, inicialmente na área clínica, e depois em uma combinação entre pesquisa e clínica. Agora ela está em Toronto, cursando doutorado focado na fisiologia respiratória aplicada na Universidade de Toronto.
Irene é uma das principais especialistas do mundo em fisiologia respiratória, mais especificamente, em esforço respiratório durante a ventilação mecânica em terapia intensiva (UTI) e sua influência na lesão pulmonar induzida pela ventilação e disfunção diafragmática. Ao avaliar a transição da ventilação mecânica totalmente controlada para a assistida, Irene sempre usa técnicas de monitoramento para titular a ventilação mecânica e a sedação para evitar possíveis esforços prejudiciais. “Um intervalo intermediário de esforço inspiratório está associado a melhores desfechos para os pacientes e pode ser uma meta razoável para a maioria deles”, segundo Irene.
Um intervalo intermediário de esforço inspiratório está associado a melhores resultados para os pacientes e pode ser uma meta razoável para a maioria deles.
Avaliação dos desafios da transição
A transição da sedação total e ventilação controlada para a respiração espontânea é sempre um grande desafio, diz ela. “Por quê? Em primeiro lugar, o paciente está apenas parcialmente consciente do que está acontecendo e, normalmente, está sentindo bastante desconforto com um tubo na garganta”, diz Irene.
Em segundo lugar, sob sedação, existem muitos estímulos que dizem ao cérebro para respirar com força. Geralmente, esses pacientes ainda estão muito doentes. Por exemplo, a inflamação sistêmica devido a uma infecção nova ou não resolvida é um forte estímulo direto para o paciente respirar. “Como o paciente está respirando e o ventilador está, simultaneamente, fornecendo suporte durante esse período crítico, é fundamental que o tempo do padrão de respiração do paciente e o da insuflação e exalação do ventilador correspondam. Se houver falta de sincronia entre esses eventos, ocorrerá a assincronia entre o paciente e o ventilador, um fenômeno que está associado ao aumento da mortalidade de pacientes”, diz Irene.
Irene continua: “Essa assincronia entre paciente e ventilador pode ser muito desconfortável para o paciente e pode causar lesões nos pulmões e no músculo respiratório principal do paciente, o diafragma.” Como lidar com esses desafios? Como os médicos podem adaptar ou personalizar a ventilação mecânica para evitar danos ao paciente no processo de transição da ventilação controlada para a ventilação assistida?
Ao avaliar a transição da ventilação mecânica totalmente controlada para a assistida, Irene sempre usa técnicas de monitoramento para titular a ventilação mecânica e a sedação para evitar possíveis esforços prejudiciais.
Personalização da ventilação mecânica e sedação
De acordo com Irene, estudos mostraram que pacientes com uma faixa intermediária de esforços inspiratórios — ou seja, não excessivos e não muito rasos — apresentam melhores desfechos na UTI, incluindo taxas de mortalidade mais baixas. No entanto, não é uma regra geral, sendo necessária a personalização do tratamento. “Há várias formas importantes de se personalizar o atendimento ao paciente para aumentar as chances de se obter uma faixa intermediária de esforços inspiratórios”, diz Irene. “Primeiro, o modo de ventilação mecânica que usamos é importante, assim como o suporte que o ventilador oferece e a forma como adaptamos o padrão de respiração fornecido pelo ventilador de acordo com o padrão de respiração do paciente, de modo que o paciente esteja respirando em sincronia com o ventilador enquanto este estiver fornecendo o suporte. Esse é um elemento dessa estratégia de ventilação protetora pulmonar e diafragmática: manejar a configuração do ventilador.”
A segunda parte do processo de personalização do paciente é o uso da sedação para modular o impulso respiratório. Os agentes sedativos mais frequentemente usados para isso são o propofol e as benzodiazepinas. “Porém, os médicos precisam titular esses medicamentos cuidadosamente”, diz Irene, “porque, se você usar quantidades excessivas desses medicamentos, poderá gerar efeitos adversos. Por exemplo, se o paciente estiver recebendo doses muito altas de agentes sedativos por um longo período, poderá sofrer atrofia muscular periférica e respiratória por não ter se movimentado por vários dias.” Fatores diferentes do manejo das configurações do ventilador e da sedação também são importantes, como entender e tratar o motivo de os esforços respiratórios estarem excessivamente altos ou baixos. Por exemplo, os pacientes costumam ficar desconfortáveis ou ansiosos, fatores que precisam ser abordados.
Técnicas de monitoramento que ajudam a facilitar a transição
Como monitorar o esforço respiratório do paciente e, assim, visar uma faixa intermediária de esforço, facilitando a transição da ventilação controlada para a assistida? Há várias técnicas de monitoramento que podem ajudar na transição.
A pressão esofágica (Pes), por exemplo, é o padrão ouro para medir o esforço inspiratório de um paciente e o risco de danos. Essa técnica de medição envolve a passagem de um cateter de Pes com uma ponta de balão no meio do esôfago para registrar as pressões locais como substitutas da pressão intratorácica. Quando respiramos, sugamos ar para dentro dos pulmões ao diminuir a pressão intratorácica. A Pes mede a mudança na pressão intratorácica gerada pelos músculos respiratórios.
De acordo com Irene, há duas outras técnicas que são mais simples e menos invasivas, Pocc e P0.1, por não ser necessária a inserção de um cateter.
“Elas são medidas com o ventilador, então chamamos de técnicas de monitoramento não invasivas”, diz Irene. “As duas se baseiam no mesmo princípio: gerarmos o que chamamos de pausa expiratória final. É como se o paciente segurasse a respiração durante a inspiração. Quando o paciente inspira contra uma via aérea fechada, qualquer alteração na pressão das vias aéreas é proporcional à alteração na pressão intratorácica. É um truque que usamos para imitar o que veríamos caso tivéssemos inserido um cateter esofágico. Podemos medir as mudanças na pressão intratorácica sem precisar colocar nada no tórax. Essas técnicas são usadas para medir o drive respiratório do paciente para verificar se os esforços são muito altos ou muito baixos. Uma vez tendo uma avaliação mais detalhada do drive e do esforço do paciente, pode ser necessário usar uma técnica um pouco mais invasiva, como a Pes, mas a Pocc e a P0.1 são técnicas de triagem que podem ser usadas em todos os pacientes ventilados, porque não é necessário fazer nenhuma inserção.”
Outra técnica disponível para monitorar o drive respiratório e o esforço do paciente é a atividade elétrica do diafragma (Aedi). Como a Pes, ele requer a inserção de um cateter naso ou orogástrico. No entanto, os cateteres Aedi também contêm um tubo de alimentação, que é necessário em quase todas as situações. Um cateter Aedi é conectado ao ventilador, que processa o sinal. O sinal Aedi é exibido diretamente na tela do ventilador, fornecendo informações sobre a magnitude e temporização do drive e do esforço respiratório do paciente. Portanto, ele permite que os médicos modifiquem as configurações do ventilador e os medicamentos para garantir que o paciente exerça uma quantidade segura de esforço e que haja uma melhor sincronia entre paciente e ventilador.
A vantagem desse modo é que, por ele ser proporcional ao drive e ao esforço do paciente, é muito improvável que o ventilador forneça suporte em demasia, o que chamamos de sobreassistência.
Modos de ventilação que podem ajudar durante a transição
Selecionar o melhor modo do ventilador e as configurações para cada paciente é uma das intervenções mais importantes para se obter uma estratégia de ventilador de proteção pulmonar e diafragmática. A NAVA é uma ferramenta importante para muitos pacientes. Trata-se de um modo de ventilação proporcional que usa o Aedi para oferecer assistência ventilatória proporcional ao drive e ao esforço do paciente.
“O bom desse modo é que, por ele ser proporcional ao drive e ao esforço do paciente, é muito improvável que o ventilador forneça suporte em demasia, o que chamamos de sobreassistência”, diz Irene.
Outros modos, como a pressão de suporte, podem sobreassistir ou dar subassistir o paciente. A pressão de suporte é o modo mais usado durante a transição da ventilação mecânica controlada para a assistida.
Segundo Irene, “A pressão de suporte fornece uma quantidade fixa de suporte para cada esforço respiratório”. “Se o ventilador fornecer uma quantidade fixa de suporte para cada esforço respiratório, o esforço respiratório do paciente provavelmente diminuirá quando o ventilador fornecer o suporte. Se o suporte for excessivo para o paciente, ele fará uma pequena inspiração que iniciará a respiração, mas, depois, durante toda a respiração, o paciente será passivo. Algumas vezes, quando o paciente adormece nessa situação, ele até se torna apneico, o que significa que ele não respira por alguns
segundos. O paciente pode despertar ofegante, tentando respirar, algo que obviamente interrompe o sono. Isso é chamado de apneia durante a pressão de suporte. A interrupção do sono é um grande problema na UTI. Dá para imaginar que é muito difícil ter um sono restaurador adequado na UTI. Acreditamos que o sono tem uma função fisiológica muito importante, principalmente para a cura. Por isso, preferimos usar métodos que incentivem a melhor qualidade e quantidade do sono.”
De acordo com Irene, os modos proporcionais, como o NAVA e a ventilação assistida proporcional, têm o potencial de evitar esse fenômeno e podem resultar em melhor qualidade e quantidade de sono na UTI.
“A quantidade de apoio é proporcional aos esforços do paciente”, diz Irene, “para que isso garanta que o paciente continue a exercer algum grau de esforço respiratório e raramente se torne apneico, reduzindo o risco de interrupção do sono e atrofia diafragmática. Os principais benefícios potenciais desse modo são melhorar a sincronia do paciente com o ventilador, evitar a sobreassistência e a atrofia muscular respiratória, além de garantir uma menor perturbação do sono. A maioria dos pacientes pode se beneficiar com o NAVA, com exceção daqueles com drive e esforço respiratório excessivos devido a uma função cerebral anormal, de modo que não responderão aos ajustes nas configurações do ventilador ou à sedação. Nessas circunstâncias, os modos proporcionais, incluindo o NAVA, às vezes, fornecem assistência excessiva que pode intensificar a lesão pulmonar do paciente.”
Concluindo, apesar de a transição entre a ventilação mecânica controlada para a assistida ser extremamente desafiadora, as técnicas de monitoramento disponíveis no momento, juntamente com a implementação segura dos modos proporcionais de ventilação, podem ajudar a obter uma ventilação protetora pulmonar e diafragmática eficaz e personalizada que, por fim, levará à liberação do paciente.
Técnicas de monitoramento
A atividade elétrica do diafragma (rosa) pode ajudar os médicos a modificar as configurações do ventilador e os medicamentos para garantir que o paciente exerça uma quantidade segura de esforço e que haja uma melhor sincronia entre paciente e ventilador (sobreposição cinza na curva de pressão, amarela).